Sylvio Bastos: Sua história
Sylvio Bastos: do chão de LaGuardia às telas da ESPN, um ‘plano B’ melhor do que a encomenda
Hoje, Sylvio Bastos é um dos nomes mais conhecidos do cenário do tênis brasileiro. Aos 58 anos, o empresário niteroiense que aprendeu a jogar no Rio Cricket, mesmo clube em que dá aulas desde 1981, é um dos principais comentaristas da ESPN, canal que têm os direitos de transmissão da maioria dos grandes eventos internacionais da modalidade.
Sua trajetória de sucesso, porém, não foi trilhada sem obstáculos e sacrifício. O caminho até o Grupo Disney não era nem seu objetivo inicial. O jovem niteroiense sonhava inicialmente com a carreira de tenista, mas logo percebeu que não iria longe como atleta e mudou de planos. Veio, então, a ideia de se tornar técnico e influente no país: “Quero ser Paulo Cleto”, pensava nos últimos anos da adolescência.
Um novo rumo que começou com noites mal dormidas no chão do aeroporto de LaGuardia, em Nova York, mas que foi alcançado com o tempo. Hoje, é justo dizer que o “plano B” saiu melhor do que a encomenda. Sylvio tornou-se treinador, promoveu torneios e agora até exerce a mesma função que Cleto no canal do grupo Disney. Como isso tudo aconteceu? Ele mesmo conta nas linhas abaixo…
Você começou a jogar onde e por quê?
Na mesma quadra onde estou hoje, dando aula, no Rio Cricket. Em 1973. Em janeiro, o Rio Cricket interrompe as atividades no campo de futebol para fazer manutenção. As ovelhas eram colocadas no gramado e pastavam. Nas férias, a gente não podia brincar. Aí apareceu uma professora, a Ângela Moura, que engravidou na época e parou de competir e passou a dar aula. A molecada toda falou “vamos jogar tênis”. Mas era uma época muito diferente. As aulas eram com três ou seis bolinhas, com uma raquete, e individuais. Eu entrava na quadra, fazia meia hora, e depois vinha outro e fazia meia hora de aula. Hoje em dia, todos fariam uma aula só, em grupo, mas em 1973 não era assim que funcionava. Eu tinha 9 anos. Nessa mesma turma estava o Domingos Venâncio.
Chegou a jogar torneios profissionais?
Joguei. Tentei. Acho que a minha maior qualidade, meu maior mérito, foi descobrir muito rápido que eu seria ruim e desistir. Eu fiz parte da geração da mudança da maneira de se jogar tênis. Eu aprendi a jogar batendo direita continental e esquerda com slice. Era como se ensinava tênis no início da década de 1970. A direita era para atacar, e a esquerda era para dar slice e preparar o ponto para atacar com a direita. Quando eu tinha 13, em 1976, o Borg tinha vencido Roland Garros duas vezes, e começou-se a perceber que daria para bater a esquerda. No meu primeiro ano de 14, mudaram a minha empunhadura para eastern de direita e eastern de esquerda para que eu pudesse usar um pouco mais de spin na direita e atacar de esquerda. Para a minha esquerda, foi maravilhoso. Para a direita, foi um caos. Até hoje, desde os 13 anos, eu não consigo bater uma direita decentemente. Óbvio que eu estou exagerando, mas a minha direita se perdeu nessa mudança. E sem direita não se joga tênis. Eu tentei jogar alguns satélites e… tragédia. Em menos de um ano, eu entendi que não era a minha, mas ao mesmo tempo eu entendi que era a vida que eu queria. Foi um sentimento muito antagônico na minha cabeça. “Eu quero essa vida para mim, mas que merda que não vai ser jogando.”
Quanto tempo levou até você decidir que seria técnico?
Seis meses. Foi muito rápido. Em 1981, no meu último ano de juvenil, eu queria jogar o Orange Bowl e alguns torneios. Eu já estava na faculdade. Na manhã, eu ia para a Gama Filho, e treinava à tarde no Fluminense. Nesse meio tempo, um senhor do Rio Cricket chamado João Jordão, queria ter aula comigo. Eu falei “Não sou professor, não sei como é que cobra, quanto custa e não sei dar aula”. Ele disse: “Você joga comigo três vezes por semana, e eu te dou alguma coisa que você queira muito.” Eu: “Quero muito jogar o Orange Bowl em Miami.” Ele: “Então te dou uma passagem e mil dólares, e você joga comigo agosto, setembro, outubro e novembro.” Gostei disso e começamos. Ele me deu uma passagem pela PanAm, e eu joguei o Orange Bowl e o Rolex, que vinha na sequência, em Nova York. Foi onde eu conheci a Port Washington Tennis Academy, onde era jogado o torneio. Fiquei encantado. Nunca tinha imaginado que poderia existir uma academia coberta com 25 quadras, equipe de competição, treinamento… A gente não tinha acesso a esse tipo de informação aqui no Brasil.
E o que aconteceu depois?
No ano seguinte, em 1982, teve um satélite VAT 69 no interior de São Paulo. Eu me achei super capacitado para jogar. No primeiro, nem entrei. Assinei lá, e ficava aquele bando de gente esperando para ver se entrava ou não. Mais de 100 pessoas. Quando demorou para sair a chave, eu, muito inocentemente, perguntei o que estava acontecendo. “A pessoa que decide quem joga não chegou ainda. Tem um cara que diz quem joga ou não.” Porque nem todo mundo tinha ponto no ranking. Sabe quem era essa pessoa?
Não.
Paulo Cleto. O torneio era dele. Ele chegou, saiu a chave, e eu não estava. Naquele momento, eu falei assim: “Não sei se vou jogar tênis, mas eu quero ser Paulo Cleto, cara. Ele decide quem joga e quem não joga. É um poder absurdo. Isso é muito bom.” Eu tinha 18 anos. É uma imagem muito clara na minha cabeça. Na sequência, depois, eu comecei a olhar. “Ele está treinando o Nico (Luiz Mattar)! Eu quero ser esse cara!” E nesse semestre, acontecem as etapas da frente. Eu não entro na segunda nem na terceira. Aí, na quarta, em Campinas, eu acabo entrando. Perdi na segunda do quali. Nesse ano, de 1982, tentei jogar alguns torneios. Na maioria, acabo não entrando. Nos poucos que eu entro, basicamente não ganho de ninguém. Continuei treinando, jogando primeira classe e fazendo faculdade.
Você foi trabalhar na Port Washington depois. Como isso aconteceu?
Acabei a faculdade em 1984, mas a vida de tênis me agradava muito. Quero poder ser Paulo Cleto: decidir quem joga e quem não joga, quero treinar alguém que jogue bem, quero fazer torneio. Mas se eu continuasse dando aula no Rio Cricket, nunca seria Paulo Cleto. E me veio à cabeça a Port Washington. “Será que eu consigo?” Mandei a famosa cartinha. Disseram “Venha. Você fica um mês. Se depois de um mês, for aprovado, a gente te contrata, mas nesse primeiro mês, é compromisso zero. A gente dá alimentação durante o dia.” Era como se fosse um estágio. O lugar que eu tinha para ficar em Nova York acabou dando errado, aí eu passei uma semana deixando minhas coisas na academia. Pegava metrô, trem, ia para o aeroporto de LaGuardia e dormia no chão porque é um lugar em que muita gente dorme esperando voo. Eu ia lá dormir e voltava. Era onde eu tinha. Depois acabei arrumando uma vaga num apartamento por duas semanas até que um dia eu cheguei na academia e Mr. Zausner, que era o dono, queria falar comigo. Quando entrei na sala, ele falou “Nem precisa puxar a cadeira. Bem-vindo. Você está dentro. Pega suas roupas na pro shop”. Fiquei dois anos ali na Port Washington Tennis Academy, que foi onde eu conheci o Carlos Goffi, que me convidou para trabalhar com ele.
Como foi essa época?
Ele não tinha uma academia full-time. Ele tinha um camp de verão, o Tournament Tough, que acontecia na Flórida, cada ano em um lugar diferente. Na sequência, antes de vir embora para o Brasil, ele fez o camp em Delray Beach, e eu fui. E com o Goffi eu trabalhei 15 anos. Todo ano eu voltava e ficava dois, três meses trabalhando com ele no verão. E no Brasil eu tentei montar algo parecido com o que fiz lá na Port Washington e no treino de competição aqui no Rio Cricket.
Qual foi a primeira grande coisa que você aprendeu na Port Washington?
Que aqui a gente treinava muito individualmente. Lá, a dinâmica de grupos fazia tudo render mais. Você conseguia ter 3-4-5 na quadra e não perdia qualidade necessariamente. Não precisava estar sozinho com alguém para ter algo que valesse a pena. Em Niterói, eu dava aula individual. Eu comecei a achar que ia acabar morrendo se fosse dar 10 aulas por dia. Quando cheguei nos EUA, falei “caramba, isso é a solução.” Para ganhar dinheiro, eu precisava dar muita aula. Não podia ser um por um. No primeiro dia que chego, vi o head pro dando um treino com 200 bolas e cinco pessoas na quadra. E com 200 bolas e um pouco de dinâmica e entendimento do que se fazer, você dá um bom treino para cinco pessoas. Quando eu volto para o Brasil, virei “maluco” por botar três treinando juntos. Foi passando o tempo, e começaram a fazer igual a mim. E virou realidade dar aula em grupo. Virou a forma como todo mundo trabalha hoje. Eu não criei. Simplesmente trouxe porque fui morar lá e trouxe essa informação.
Como você chegou à TV?
Eu fiz jornalismo na Gama Filho, e uma grande amiga da faculdade, a Solange Amado, que trabalhou no SporTV por 20 anos e depois criou uma produtora, sentou do meu lado num encontro da turma da faculdade e disse que estava indo para a Fox. “Você não quer ir lá fazer um teste?” E em janeiro de 2012, eu fui fazer um teste com o Hamilton Rodrigues. A produção era feita pelo Daniel Perissé, daqui de Niterói, que eu conhecia. Eles estavam com um jogo lá que era a final de Auckland de 2012. Botaram o VT, eu fiz o jogo com o Hamilton e funcionou razoavelmente. O Hamilton foi com a minha cara. No fim de março, a Solange me liga e diz “Vamos começar em abril. É você.” E desde abril de 2012 até dezembro de 2020, eu fiz todos jogos de tênis da Fox. Eu não tinha contrato, mas tinha um contato que era sempre a mesma coisa.
E a ESPN?
Hoje, profissionalmente, é a coisa que mais me dá prazer. Falar de tênis, colocando o que eu penso, em jogos de alto nível, que é o que a ESPN está me proporcionando. Eu fiquei nove anos na Fox fazendo ATPs 250, que são jogos infinitamente de nível inferior aos que hoje eu tenho condição de fazer. Eu comecei em abril na ESPN. Em cinco meses, eu fiz coisas que nunca tinha feito porque os 250 não permitiam. Por outro lado, foi uma escola muito boa. Fazer jogos de nível mais ou menos te obriga a ser criativo e falar coisas interessantes para quem está assistindo continuar lá. Fazer Nadal, Federer e Djokovic é maravilhoso. Todo ponto tem algo de qualidade para comentar. Você fala com muita facilidade o que está acontecendo. Mas quartas de final de ATP 250 no Marrocos com um carinha que foi wild card… É um jogo fraco. E você tem que encontrar conteúdo e recursos para fazer aquele jogo interessante para quem está te assistindo. Foi uma escala muito boa. Foi um processo evolutivo.
Para terminar: no cenário do tênis brasileiro hoje, o que precisa melhorar com mais urgência?
Torneios. Prioridade número 1, número 2 e número 3. Quando o Brasil tiver torneios de transição Futures e Challengers… E não adianta ter um ano. Você precisa ter cinco, sete, oito anos de torneios para que a molecada possa jogar, fazer a transição e, depois, com amadurecimento, consolidando parte tática e parte mental, dar cabeçada na Europa. Óbvio que não vão ficar jogando no Brasil o ano inteiro. Mas ter torneios no Brasil, sem que a pessoa precise estar sempre saindo do país. Pelas despesas, pelas distâncias, para manter um time perto… Ter que viajar o ano inteiro para fora é muito duro. Se você vir os melhores momentos do Brasil na história do tênis, foram os mesmos momentos em que o Brasil mais sediou torneios. E se pegar hoje os países que mais têm tenistas entre os 100 do mundo, são os países que mais fazem torneios. Não é uma opinião. Está aí o número. Quanto mais torneio tiver, mais jogador vai sair. O Brasil tem muitos treinadores competentes, que sabem o que têm que fazer e sabem o caminho, mas acabam se perdendo no caminho desse menino ou dessa menina por conta de valor do dólar, por conta de não poder largar o seu clube para acompanhar um atleta na Europa. Para largar tudo e ir para a Europa, você tem que ter aquele jogador como seu único meio de sustento. E quem consegue ficar três meses na Europa pagando treinador, despesa de avião, alimentação, hospedagem e treino? É difícil!
Sylvio Bastos: Sua história
Sylvio Bastos: do chão de LaGuardia às telas da ESPN, um ‘plano B’ melhor do que a encomenda
Hoje, Sylvio Bastos é um dos nomes mais conhecidos do cenário do tênis brasileiro. Aos 58 anos, o empresário niteroiense que aprendeu a jogar no Rio Cricket, mesmo clube em que dá aulas desde 1981, é um dos principais comentaristas da ESPN, canal que têm os direitos de transmissão da maioria dos grandes eventos internacionais da modalidade.
Sua trajetória de sucesso, porém, não foi trilhada sem obstáculos e sacrifício. O caminho até o Grupo Disney não era nem seu objetivo inicial. O jovem niteroiense sonhava inicialmente com a carreira de tenista, mas logo percebeu que não iria longe como atleta e mudou de planos. Veio, então, a ideia de se tornar técnico e influente no país: “Quero ser Paulo Cleto”, pensava nos últimos anos da adolescência.
Um novo rumo que começou com noites mal dormidas no chão do aeroporto de LaGuardia, em Nova York, mas que foi alcançado com o tempo. Hoje, é justo dizer que o “plano B” saiu melhor do que a encomenda. Sylvio tornou-se treinador, promoveu torneios e agora até exerce a mesma função que Cleto no canal do grupo Disney. Como isso tudo aconteceu? Ele mesmo conta nas linhas abaixo…
Você começou a jogar onde e por quê?
Na mesma quadra onde estou hoje, dando aula, no Rio Cricket. Em 1973. Em janeiro, o Rio Cricket interrompe as atividades no campo de futebol para fazer manutenção. As ovelhas eram colocadas no gramado e pastavam. Nas férias, a gente não podia brincar. Aí apareceu uma professora, a Ângela Moura, que engravidou na época e parou de competir e passou a dar aula. A molecada toda falou “vamos jogar tênis”. Mas era uma época muito diferente. As aulas eram com três ou seis bolinhas, com uma raquete, e individuais. Eu entrava na quadra, fazia meia hora, e depois vinha outro e fazia meia hora de aula. Hoje em dia, todos fariam uma aula só, em grupo, mas em 1973 não era assim que funcionava. Eu tinha 9 anos. Nessa mesma turma estava o Domingos Venâncio.
Chegou a jogar torneios profissionais?
Joguei. Tentei. Acho que a minha maior qualidade, meu maior mérito, foi descobrir muito rápido que eu seria ruim e desistir. Eu fiz parte da geração da mudança da maneira de se jogar tênis. Eu aprendi a jogar batendo direita continental e esquerda com slice. Era como se ensinava tênis no início da década de 1970. A direita era para atacar, e a esquerda era para dar slice e preparar o ponto para atacar com a direita. Quando eu tinha 13, em 1976, o Borg tinha vencido Roland Garros duas vezes, e começou-se a perceber que daria para bater a esquerda. No meu primeiro ano de 14, mudaram a minha empunhadura para eastern de direita e eastern de esquerda para que eu pudesse usar um pouco mais de spin na direita e atacar de esquerda. Para a minha esquerda, foi maravilhoso. Para a direita, foi um caos. Até hoje, desde os 13 anos, eu não consigo bater uma direita decentemente. Óbvio que eu estou exagerando, mas a minha direita se perdeu nessa mudança. E sem direita não se joga tênis. Eu tentei jogar alguns satélites e… tragédia. Em menos de um ano, eu entendi que não era a minha, mas ao mesmo tempo eu entendi que era a vida que eu queria. Foi um sentimento muito antagônico na minha cabeça. “Eu quero essa vida para mim, mas que merda que não vai ser jogando.”
Quanto tempo levou até você decidir que seria técnico?
Seis meses. Foi muito rápido. Em 1981, no meu último ano de juvenil, eu queria jogar o Orange Bowl e alguns torneios. Eu já estava na faculdade. Na manhã, eu ia para a Gama Filho, e treinava à tarde no Fluminense. Nesse meio tempo, um senhor do Rio Cricket chamado João Jordão, queria ter aula comigo. Eu falei “Não sou professor, não sei como é que cobra, quanto custa e não sei dar aula”. Ele disse: “Você joga comigo três vezes por semana, e eu te dou alguma coisa que você queira muito.” Eu: “Quero muito jogar o Orange Bowl em Miami.” Ele: “Então te dou uma passagem e mil dólares, e você joga comigo agosto, setembro, outubro e novembro.” Gostei disso e começamos. Ele me deu uma passagem pela PanAm, e eu joguei o Orange Bowl e o Rolex, que vinha na sequência, em Nova York. Foi onde eu conheci a Port Washington Tennis Academy, onde era jogado o torneio. Fiquei encantado. Nunca tinha imaginado que poderia existir uma academia coberta com 25 quadras, equipe de competição, treinamento… A gente não tinha acesso a esse tipo de informação aqui no Brasil.
E o que aconteceu depois?
No ano seguinte, em 1982, teve um satélite VAT 69 no interior de São Paulo. Eu me achei super capacitado para jogar. No primeiro, nem entrei. Assinei lá, e ficava aquele bando de gente esperando para ver se entrava ou não. Mais de 100 pessoas. Quando demorou para sair a chave, eu, muito inocentemente, perguntei o que estava acontecendo. “A pessoa que decide quem joga não chegou ainda. Tem um cara que diz quem joga ou não.” Porque nem todo mundo tinha ponto no ranking. Sabe quem era essa pessoa?
Não.
Paulo Cleto. O torneio era dele. Ele chegou, saiu a chave, e eu não estava. Naquele momento, eu falei assim: “Não sei se vou jogar tênis, mas eu quero ser Paulo Cleto, cara. Ele decide quem joga e quem não joga. É um poder absurdo. Isso é muito bom.” Eu tinha 18 anos. É uma imagem muito clara na minha cabeça. Na sequência, depois, eu comecei a olhar. “Ele está treinando o Nico (Luiz Mattar)! Eu quero ser esse cara!” E nesse semestre, acontecem as etapas da frente. Eu não entro na segunda nem na terceira. Aí, na quarta, em Campinas, eu acabo entrando. Perdi na segunda do quali. Nesse ano, de 1982, tentei jogar alguns torneios. Na maioria, acabo não entrando. Nos poucos que eu entro, basicamente não ganho de ninguém. Continuei treinando, jogando primeira classe e fazendo faculdade.
Você foi trabalhar na Port Washington depois. Como isso aconteceu?
Acabei a faculdade em 1984, mas a vida de tênis me agradava muito. Quero poder ser Paulo Cleto: decidir quem joga e quem não joga, quero treinar alguém que jogue bem, quero fazer torneio. Mas se eu continuasse dando aula no Rio Cricket, nunca seria Paulo Cleto. E me veio à cabeça a Port Washington. “Será que eu consigo?” Mandei a famosa cartinha. Disseram “Venha. Você fica um mês. Se depois de um mês, for aprovado, a gente te contrata, mas nesse primeiro mês, é compromisso zero. A gente dá alimentação durante o dia.” Era como se fosse um estágio. O lugar que eu tinha para ficar em Nova York acabou dando errado, aí eu passei uma semana deixando minhas coisas na academia. Pegava metrô, trem, ia para o aeroporto de LaGuardia e dormia no chão porque é um lugar em que muita gente dorme esperando voo. Eu ia lá dormir e voltava. Era onde eu tinha. Depois acabei arrumando uma vaga num apartamento por duas semanas até que um dia eu cheguei na academia e Mr. Zausner, que era o dono, queria falar comigo. Quando entrei na sala, ele falou “Nem precisa puxar a cadeira. Bem-vindo. Você está dentro. Pega suas roupas na pro shop”. Fiquei dois anos ali na Port Washington Tennis Academy, que foi onde eu conheci o Carlos Goffi, que me convidou para trabalhar com ele.
Como foi essa época?
Ele não tinha uma academia full-time. Ele tinha um camp de verão, o Tournament Tough, que acontecia na Flórida, cada ano em um lugar diferente. Na sequência, antes de vir embora para o Brasil, ele fez o camp em Delray Beach, e eu fui. E com o Goffi eu trabalhei 15 anos. Todo ano eu voltava e ficava dois, três meses trabalhando com ele no verão. E no Brasil eu tentei montar algo parecido com o que fiz lá na Port Washington e no treino de competição aqui no Rio Cricket.
Qual foi a primeira grande coisa que você aprendeu na Port Washington?
Que aqui a gente treinava muito individualmente. Lá, a dinâmica de grupos fazia tudo render mais. Você conseguia ter 3-4-5 na quadra e não perdia qualidade necessariamente. Não precisava estar sozinho com alguém para ter algo que valesse a pena. Em Niterói, eu dava aula individual. Eu comecei a achar que ia acabar morrendo se fosse dar 10 aulas por dia. Quando cheguei nos EUA, falei “caramba, isso é a solução.” Para ganhar dinheiro, eu precisava dar muita aula. Não podia ser um por um. No primeiro dia que chego, vi o head pro dando um treino com 200 bolas e cinco pessoas na quadra. E com 200 bolas e um pouco de dinâmica e entendimento do que se fazer, você dá um bom treino para cinco pessoas. Quando eu volto para o Brasil, virei “maluco” por botar três treinando juntos. Foi passando o tempo, e começaram a fazer igual a mim. E virou realidade dar aula em grupo. Virou a forma como todo mundo trabalha hoje. Eu não criei. Simplesmente trouxe porque fui morar lá e trouxe essa informação.
Como você chegou à TV?
Eu fiz jornalismo na Gama Filho, e uma grande amiga da faculdade, a Solange Amado, que trabalhou no SporTV por 20 anos e depois criou uma produtora, sentou do meu lado num encontro da turma da faculdade e disse que estava indo para a Fox. “Você não quer ir lá fazer um teste?” E em janeiro de 2012, eu fui fazer um teste com o Hamilton Rodrigues. A produção era feita pelo Daniel Perissé, daqui de Niterói, que eu conhecia. Eles estavam com um jogo lá que era a final de Auckland de 2012. Botaram o VT, eu fiz o jogo com o Hamilton e funcionou razoavelmente. O Hamilton foi com a minha cara. No fim de março, a Solange me liga e diz “Vamos começar em abril. É você.” E desde abril de 2012 até dezembro de 2020, eu fiz todos jogos de tênis da Fox. Eu não tinha contrato, mas tinha um contato que era sempre a mesma coisa.
E a ESPN?
Hoje, profissionalmente, é a coisa que mais me dá prazer. Falar de tênis, colocando o que eu penso, em jogos de alto nível, que é o que a ESPN está me proporcionando. Eu fiquei nove anos na Fox fazendo ATPs 250, que são jogos infinitamente de nível inferior aos que hoje eu tenho condição de fazer. Eu comecei em abril na ESPN. Em cinco meses, eu fiz coisas que nunca tinha feito porque os 250 não permitiam. Por outro lado, foi uma escola muito boa. Fazer jogos de nível mais ou menos te obriga a ser criativo e falar coisas interessantes para quem está assistindo continuar lá. Fazer Nadal, Federer e Djokovic é maravilhoso. Todo ponto tem algo de qualidade para comentar. Você fala com muita facilidade o que está acontecendo. Mas quartas de final de ATP 250 no Marrocos com um carinha que foi wild card… É um jogo fraco. E você tem que encontrar conteúdo e recursos para fazer aquele jogo interessante para quem está te assistindo. Foi uma escala muito boa. Foi um processo evolutivo.
Para terminar: no cenário do tênis brasileiro hoje, o que precisa melhorar com mais urgência?
Torneios. Prioridade número 1, número 2 e número 3. Quando o Brasil tiver torneios de transição Futures e Challengers… E não adianta ter um ano. Você precisa ter cinco, sete, oito anos de torneios para que a molecada possa jogar, fazer a transição e, depois, com amadurecimento, consolidando parte tática e parte mental, dar cabeçada na Europa. Óbvio que não vão ficar jogando no Brasil o ano inteiro. Mas ter torneios no Brasil, sem que a pessoa precise estar sempre saindo do país. Pelas despesas, pelas distâncias, para manter um time perto… Ter que viajar o ano inteiro para fora é muito duro. Se você vir os melhores momentos do Brasil na história do tênis, foram os mesmos momentos em que o Brasil mais sediou torneios. E se pegar hoje os países que mais têm tenistas entre os 100 do mundo, são os países que mais fazem torneios. Não é uma opinião. Está aí o número. Quanto mais torneio tiver, mais jogador vai sair. O Brasil tem muitos treinadores competentes, que sabem o que têm que fazer e sabem o caminho, mas acabam se perdendo no caminho desse menino ou dessa menina por conta de valor do dólar, por conta de não poder largar o seu clube para acompanhar um atleta na Europa. Para largar tudo e ir para a Europa, você tem que ter aquele jogador como seu único meio de sustento. E quem consegue ficar três meses na Europa pagando treinador, despesa de avião, alimentação, hospedagem e treino? É difícil!